E afinal, a ADIn
é ex tunc ou ex nunc?
Vicente Paulo (06.09.2001)
Extraído da página:
http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_ordem=recentes&page_id=180&page_parte=1
Publicado
o edital do concurso do Banco Central do Brasil – BACEN, para o provimento dos
cargos de Analista e Procurador, o programa de Direito Constitucional deu
especial ênfase ao chamado controle de constitucionalidade (constam do programa
dois itens relacionados com o tema: ... e controle de constitucionalidade das
leis).
A
partir dessa constatação, estão de volta as dúvidas dos concursandos
relacionadas com o tema, e uma das mais presentes dúvidas diz respeito à
eficácia da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de ação
direta de inconstitucionalidade - ADIn.
Seria
a decisão dotada de efeitos ex tunc ou ex nunc?
Antes
de respondermos à questão, cabe apenas esclarecer que, quanto à oponibilidade
contra todos, não há maiores dúvidas: a decisão em ADIn é dotada de
eficácia erga omnes, isto é, alcança todos aqueles sujeitos às
determinações da norma impugnada. Independentemente de qualquer outro ato (não
há que se falar em suspensão da execução da lei pelo Senado Federal em decisão
proferida em ADIn), a decisão do Supremo Tribunal Federal em ADIn tem força
contra todos (eficácia erga omnes).
A
eficácia erga omnes, porém, não deve ser confundida com a
possibilidade de efeitos ex tunc ou ex nunc da
decisão. Afirmar que a decisão proferida em ADIn possui eficácia erga
omnes significa, tão-somente, que essa decisão tem força geral, contra
todos, alcançando todos os indivíduos sujeitos à aplicação da norma impugnada.
Outra questão é saber o momento inicial dessa eficácia: a decisão terá efeitos
retroativos (ex tunc), invalidando a norma impugnada desde a sua edição,
ou só produzirá efeitos a partir da data de publicação da decisão do Tribunal (ex
nunc).
A
tradição no Direito brasileiro sempre foi a de reconhecer a nulidade da
lei tida por inconstitucional, isto é, de reconhecer que a lei inconstitucional
é nula de pleno direito, tendo a sentença que declara a
inconstitucionalidade efeitos ex tunc (pois retira a norma do
ordenamento jurídico retroativamente, a partir do seu nascimento).
A
orientação do Supremo Tribunal Federal é, há muito, nesse sentido: a declaração
de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc, reconhece a nulidade da
lei, retirando-a do ordenamento jurídico desde o seu nascimento. Argumentavam
os Ministros da Corte que reconhecer a validade de uma lei inconstitucional –
ainda que por tempo limitado (da publicação da lei até a decisão que reconhece
a sua inconstitucionalidade) – representaria uma violação ao princípio da
Supremacia da Constituição.
Até
o ano de 1999, portanto, não admitia o Supremo Tribunal Federal a possibilidade
de se conceder efeitos ex nunc (não-retroativos) à decisão
proferida em ADIn.
A
Lei nº 9.868, de 1999, que veio regular o processo e julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade - ADIn e da ação declaratória de constitucionalidade -
ADC, trouxe o seguinte dispositivo (art. 27):
"Ao
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a
partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser
fixado."
Como
se vê, o Direito Positivo passou a permitir que o Supremo Tribunal Federal, em
situações excepcionais e mediante maioria qualificada de dois terços, manipule
os efeitos de sua sentença proferida em ADIn e ADC.
Em
verdade, a Lei nº 9.868/99 terminou por desvincular a inconstitucionalidade da nulidade,
uma vez que poderá ser reconhecida aquela sem os efeitos desta. De fato, quando
o Supremo Tribunal Federal extinguir a vigência da lei com efeitos ex
nunc, os efeitos da inconstitucionalidade já não se equiparam aos da nulidade,
mas se assemelham aos da revogação da norma.
Mas,
cuidado, a competência conferida ao Supremo Tribunal Federal pelo art. 27 da
Lei nº 9.868/99 é medida excepcional, extraordinária: a regra no Direito
brasileiro continua sendo a da eficácia ex tunc da declaração
de inconstitucionalidade em ADIn e ADC (e em quaisquer outras ações); apenas
diante de situações extraordinárias, por razões de segurança jurídica ou de
interesse social, é que poderá o Supremo Tribunal, por maioria de dois terços
de seus membros, manipular a eficácia de sua decisão em ADIn e ADC.
Em
simples palavras, a situação é a seguinte:
1ª)
Caso o STF proclame, em sede de ADIn ou de ADC, a inconstitucionalidade de uma
lei e não se pronuncie expressamente a respeito dos efeitos de sua decisão,
tais efeitos serão retroativos, ex tunc (pois essa continua
sendo a regra geral da pronúncia de inconstitucionalidade no Direito
brasileiro);
2ª)
Caso o STF proclame, em sede de ADIn ou de ADC, a inconstitucionalidade de uma
lei e entenda que o reconhecimento de eficácia retroativa (ex tunc) à
sua decisão possa comprometer a segurança jurídica ou o interesse social,
poderá, desde que o faça expressamente, e por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que fixar.
A
respeito da parte final do dispositivo, que permite ao Supremo Tribunal Federal
a fixação de "outro momento" para o início da eficácia de sua
decisão, a doutrina tem apresentado opiniões divergentes.
O
Prof. Alexandre de Moraes entende que esse "outro momento" deverá ser
indicado, obrigatoriamente, no período entre a publicação da lei impugnada e a
decisão que reconheceu sua inconstitucionalidade, uma vez que, a partir da
decisão do Tribunal, não mais existiria a lei no ordenamento jurídico.
O
Eminente Constitucionalista Zeno Veloso não compartilha desse entendimento,
argumentando que "como a lei não distingue, este momento pode ficar no
passado, ou no porvir. Portanto, o efeito da sentença pode ser ex tunc,
mas com retroatividade limitada, não projetando até a data da entrada em vigor
da norma impugnada e, neste caso, não são absolutos os efeitos ex tunc.
Assim como pode a decisão incidir pro futuro, começando a produzir
efeito num dia posterior ao do trânsito em julgado da sentença, que, no caso, é
prospectiva".
De
nossa parte, filiamos ao entendimento do Prof. Zeno Veloso, no sentido de que
não há impedimento para que o Supremo Tribunal Federal difira a eficácia de sua
decisão para um momento posterior ao trânsito em julgado da sentença, estabelecendo
a chamada inconstitucionalidade pro futuro. De qualquer sorte,
entendemos que essa discussão é pouco relevante no momento
(especialmente para fim de concurso público) – melhor aguardamos a orientação
de nossa Corte Maior.
Para
finalizar e consolidar, de vez, esse assunto, vejamos uma situação prática:
Suponha que uma lei tributária tenha instituído determinado imposto federal,
sujeito ao princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, "b"), em
julho de 1995. Posteriormente, a validade dessa lei tenha sido questionada em
ADIn, perante o Supremo Tribunal Federal. No mês de julho de 2001, o Tribunal
apreciou o mérito da ação, julgando-a procedente (reconhecendo, portanto, a
inconstitucionalidade da lei).
Nessa
situação, com base no art. 27 da Lei nº 9.868/99, poderá o Tribunal:
1º)
Caso entenda que não estejam presentes razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social que justifiquem o reconhecimento da validade da
norma até então, não se pronunciar a respeito dos efeitos de sua
decisão, hipótese em que serão ex tunc (retroativos),
reconhecendo a nulidade da lei;
Nesse
caso, o imposto será considerado indevido desde o início de sua exigência
(01/01/96), podendo os contribuintes que efetuaram seu pagamento pleitear a
restituição do indébito.
A
declaração de inconstitucionalidade, nessa hipótese, por força do art. 97 da
Constituição Federal, exige apenas maioria absoluta dos
membros do Tribunal.
2º)
Caso entenda que estejam presentes razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, decidir, expressamente, que a decisão só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado, reconhecendo a revogaçãoda lei;
Nesse
caso, o imposto será considerado devido até a data do trânsito em julgado da
decisão proferida na ADIn (julho de 2001) ou até outra data que venha a ser
fixada pelo Tribunal (janeiro de 2002, por exemplo). O imposto só passará a ser
indevido a partir de uma dessas datas; os pagamentos efetuados durante o
período anterior não são passíveis de restituição por parte dos contribuintes.
A
declaração de inconstitucionalidade, nessa hipótese, por força do art. 27 da
Lei nº 9.868/99, exige maioria de dois terços dos membros do
Tribunal.
Com
o devido respeito àqueles que pensam de forma contrária, entendo que essa regra
da Lei nº 9.868/99 representa um avanço no nosso controle de
constitucionalidade concentrado.
Com
efeito, em situações como esta, que envolvem arrecadação, programação e emprego
de recursos públicos, o desfazimento de uma lei tributária com efeitos
obrigatoriamente retroativos (ex tunc) pode gerar, a depender do vulto
dos valores, uma instabilidade econômica e/ou jurídica no país.
Isso
porque, de um lado, obrigaria o Poder Público a restituir aos contribuintes
todos os valores pagos no período compreendido entre a data de publicação da
lei que instituiu o imposto e a data da publicação da decisão que reconheceu a
sua inconstitucionalidade. Esses valores, como se sabe, certamente já foram
previstos, arrecadados e empregados em despesas públicas, em conformidade com
os orçamentos anuais desse período.
Por
outro lado, o Poder Público não teria em mãos, de imediato, um instrumento
jurídico capaz de reparar a ausência de arrecadação entre a data de publicação
da lei que instituiu o imposto e a data da publicação da decisão que reconheceu
a sua inconstitucionalidade. Isso porque, em face do princípio constitucional
da irretroatividade da lei tributária (CF, art. 150, III, "a"), não
será possível instituir legitimamente outro tributo para alcançar,
retroativamente, fatos geradores ocorridos nesse período de tempo. Haveria um
"vazio tributário" nesse período, impossível de ser alcançado pela
tributação.
Nessas
circunstâncias, a depender do vulto dos valores envolvidos, entendo que
restaria caracterizada a situação de excepcional interesse social, prevista no
art. 27 da Lei nº 9.868/99, que autoriza a manipulação, pela nossa Corte Maior,
dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
As
Bancas Examinadoras já começaram a cobrar essa questão, como se pode observar
nos itens seguintes, extraídos de recentes concursos públicos:
1
– (ESAF) Como regra geral, declarada a nulidade de uma lei numa ação direta de
inconstitucionalidade, o diploma deixa de produzir efeitos a partir da data do
julgamento da ação.
2
– (ESAF) A lei declarada inconstitucional pelo STF em ação direta de
inconstitucionalidade é, em princípio, tida como inválida apenas a partir do
julgamento. ( )
3
– (CESPE/UNB) No sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, o
Supremo Tribunal Federal, mesmo julgando que uma norma infraconstitucional é
inconstitucional, pode, em certos casos, preservar alguns efeitos dela, dando
caráter não-retroativo, ou seja, ex nunc, à sua decisão. ( )